quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A ilusão da modernidade e a incerteza do futuro.


Tendo como premissa que a modernidade não superou as suas contradições e nem utilizou as mesmas para construir um novo paradigma na construção de um novo ciclo histórico. Continuamos tão modernos quanto foi o século passado como liberal, capitalista, laico, democrata, burguês, individualista, dividido e iludido por uma suposta autonomia individual e não menos freudiano. Quando me refiro à modernidade, me reporto à modernidade da sociedade ocidental, sendo que, da sociedade oriental possuo muito pouco conhecimento para ela me referir e ainda que para nós, estas sociedades tem uma concepção de estrangeira. Tendo a modernidade como referência e ferramenta para a transcendência do pensamento em uma análise do tempo de “dantes”, posso observar que o nosso futuro não seria muito diferente daquilo que já se apresenta nos dias atuais. Em uma análise semântica e verbal, posso dizer que o futuro que fora antes de algum tempo no passado, remetendo ao tempo verbal do futuro do pretérito, impregnado de assombros apocalípticos e revoluções, fazendo emergir a esperança de renovação, revolução e redenção. Hoje, o futuro de outrora, revelou-se um tempo de repetição que promete a todos mais do mesmo, em um processo cíclico de fatos já presenciados e velhos. 


Na psicanálise freudiana, a repetição tem um valor associada ao eterno retorno da neurose sintomática, que pode ser interpretada como o processamento de uma experiência traumática, incorporada à dinâmica dos processos psíquicos. Na psicanálise, a repetição revela a resistência do indivíduo ao retorno do recalque. O princípio do prazer leva o indivíduo a repetir, sendo este, mecanismo básico do prazer e do gozo que está situado muito além do funcionamento vital da mente humana. Mas Freud indica que para a existência da pulsão do prazer e gozo é necessário a pulsão de morte, pois ambas as pulsões não agem de forma isolada, estão sempre trabalhando em conjunto, segundo o princípio de conservação da vida. Se a distância no tempo revela o quanto está longe de a modernidade superar suas contradições, a fantasia de um futuro diferente se vê prejudicada pela repetição do existente, indicando a tentativa de elaboração de um futuro baseado nas experiências das gerações que nos antecederam, mesmo que estas experiências estejam baseadas em reminiscências das formas de organização social e conceitos subjetivos que o ciclo do capitalismo tenha tentado sepultar de forma definitiva. Com a extinção da narrativa, sendo esta uma forma tradicional de transmissão de experiências, ditadas pela condição de vida nas grandes metrópoles, há uma grande possibilidade de se repetir o passado, não pelo exercício do conhecimento, ou seja, por sabedoria, mas como sintoma. 


A projeção do futuro nestas condições seria como recuperar a memória do paraíso original e com ela elaborar um futuro revolucionário. Seria não conseguir criar além da que antevê a repetição da falta de esperança, miséria, desigualdade, envolto em um sentimento de estagnação de um tempo que em nossa percepção passa cada vez mais depressa. O sentimento moderno aponta para um futuro como mais do mesmo, apesar das inovações tecnológicas, a tecnologia por si só não faz o futuro, ela apenas colabora na emancipação humana da primazia de suas necessidades primárias. 


A citação feita por Walter Benjamin, afirmou em 1933 que o “monstruoso desenvolvimento da técnica” sobrepôs-se ao homem, colaborando para promover, não a paz e a harmonia universal, mas a guerra. A melancolia não é como uma patologia individual, mas um problema cultural, compreendendo que uma das origens da disposição melancólica seria o fatalismo, sentimento de inutilidade do sujeito que não se vê capaz de transformar o mundo e, por isso, depara-se com uma perspectiva de futuro como mais do mesmo. O indivíduo melancólico nem sempre se reconhece como triste. O fatalismo melancólico acomete justamente aqueles que procuram se esquecer das derrotas históricas de seus antepassados e seguem, fascinados, o “cortejo triunfal dos vencedores”. O melancólico é aquele que renunciou à sua potência transformadora do presente em troca da identificação afetiva com os “poderosos de turno”. Se não há transformação, que nos importa o futuro? Se acrescentarmos hoje que o futuro se propõe como uma infinita sucessão de “mais do mesmo”, não nos parece que ele chega cada vez mais depressa? Não nos parece que, ao invés de representar um longínquo tempo de realização de desejos e conquistas, ele está sempre diante de nós, à nossa espera, a demandar nossa disponibilidade, não nos parece hoje, o futuro, um tempo que nos espera com urgência e nos rouba a possibilidade de esperar por ele? 


Quando suspiramos por um futuro que “não é mais o que era”, não seria essa a fantasia do futuro longínquo, do futuro das renovadas esperanças, do ainda não que a criança almeja um dia alcançar? Há momentos, no entanto, em que o futuro se aproxima com velocidade e nos atemoriza, como uma horda bárbara a destruir tudo o que nos é caro, toda a delicadeza do mundo, toda a complexa teia de relações que nos sustenta. Este futuro não é desejado, nunca. Por temor desse futuro o indivíduo melancólico tenta, inutilmente, se instalar num tempo estagnado, inativo: o tempo que não passa que caracteriza a depressão contemporânea. A este futuro se referia Walter Benjamin em 1933, ano da ascensão triunfal de Hitler na Alemanha, como o tempo de chegada de uma nova barbárie: tempo dominado pelo vazio de experiência, característico de uma geração que, por isso mesmo, encontrava-se disponível para absorver e aceitar sem resistência tudo o que se lhes apresentasse como novidade. Essa é a forma de indigência a que se referiu Benjamin no título do breve ensaio “Experiência e pobreza”. A impossibilidade de transmissão de experiências entre as gerações premidas pelo tempo acelerado da crise econômica no período entre guerras, aliada ao desenfreado desenvolvimento da tecnologia, teria produzido, para o autor, uma “nova forma de miséria”: “pois qual o valor de nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” Nem sempre os novos bárbaros são ignorantes ou inexperientes: o que eles almejam, escreve Benjamin, é libertar-se de toda a experiência. “Aspiram a um mundo em que possam ostentar tão pura e claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa resultar disso”. 


Benjamin não poderia, obviamente, ter lido Lacan, que décadas mais tarde situou a ignorância, assim como o ódio e o amor, como “paixões do Ser”. Paixões dos que não toleram o confronto com sua divisão subjetiva. “Não querer saber de nada”, apego à ignorância que caracteriza a nova barbárie diagnosticada por Walter Benjamin às vésperas da Segunda Guerra Mundial, seria justamente a disposição subjetiva capaz de promover tanto a paixão amorosa, individual, quanto os ódios apaixonados que podem incendiar multidões e autorizar toda espécie de violência em nome de ideais de segregação e pureza. Assim, quando afirmamos, com certa nostalgia, que o futuro hoje não é mais o que era antes, vale perguntar sempre a que tempo de “antes” estamos nos referimos. O passado, mesmo quando bárbaro, parece sempre um lugar seguro aos nossos olhos. O passado já foi vivido, não contém mais incertezas, por isso pensamos nele como um tempo de tranquilidade. Mas o passado já foi a expectativa do terror. É preferível que o futuro, hoje, não se nos apresente como era antes: no período entre as duas guerras mundiais, por exemplo. Ou nos anos de chumbo brasileiros. Quando sentimos nostalgia pelo que já foi, é sempre bom prestarmos atenção no fatalismo melancólico que nos faz querer trocar o futuro incerto que exige nossa participação, por um doce passado diante do qual já não temos nada a fazer.


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