domingo, 20 de outubro de 2013

O passado, futuro e presente! Onde tu estás?


A divisão do tempo entre os povos antigos e modernos sempre esteve atrelado às perspectivas dos seres humanos em relação ao seu próprio tempo presente. Santo Agostinho, em uma de suas afirmações expunha que “o passado e futuro não tem existência própria, existindo somente no tempo presente”. O passado está contido em uma coletânea de memórias dos fatos transcorridos e o futuro tem sua existência na expectativa de cada instante do tempo e em cada ponto no espaço diante de seu expectante. Os tempos deveriam ser nomeados como: passado seria o presente das coisas passadas, presente seria o presente das coisas presentes e futuro o presente das coisas futuras. O presente existe na natureza, enquanto o passado, quando existe, somente existe na memória daquele que lembra e o futuro somente é a expectativa de uma mente esperançosa pelo acontecimento desejado. Na projeção de um tempo que ainda não existe, reside a crença e o desejo formado no tempo presente, isso é no que se constitui o futuro. Os seres humanos ao longo do tempo vivenciaram experiências diferenciadas de futuro e todas estavam vinculadas, direta ou indiretamente, aos registros da memória coletiva daquela sociedade.


Muito se imaginou que o futuro era a repetição do passado, como se os seres humanos buscassem a reposição daquilo que outrora fora perdido por algum motivo no passado, rompendo o continuum temporal dos acontecimentos. As religiões sempre apontaram para esta concepção de futuro apocalíptico em forma de juízo final, encerrando desta forma a própria necessidade de existência do tempo. Em outros momentos, com a noção de modernidade, o futuro passou a ser concebido como um vetor unidirecional da linha evolutiva, determinada pela projeção progressiva do passar dos instantes, que somados formam uma unidade de tempo. Este tempo projetado no vetor direcional, “para frente”, é portador de um instante novo que traz consigo novidades radicais e rupturas com as lembranças de tudo que antes aconteceu. As utopias da liberdade e da igualdade, do liberalismo, do comunismo, da sociedade científica e tecnológica, do positivismo foram alguns dos nascimentos dessas imaginações criativas que firmou a capacidade humana de criar e romper com a ciclicidade de um futuro baseado na repetição ou resgate do passado, transformando desta maneira a vida na Terra dos Homens. Terra esta, que paulatinamente exclui a participação de qualquer divindade transcendente. O horizonte das expectativas, nestes dias modernos, foi deslocado do espaço das experiências para alcançar o fim em si mesmo, associando-se em uma redenção que confere algum sentido à história. Transformou-se o tempo presente em um repente de acontecimentos, no qual o ponto do tempo de maior velocidade era criado pela força que vinha do passado para construir o futuro, bom, belo e justo. Por estas causas, a ação do expectante deverá ser incisiva na aceleração do tempo, abreviando desta forma o período de dormência e o despertar da realização da própria razão. 


As catástrofes do século XX, iniciada pela I grande guerra mundial e encerrada pela perspectiva de não haver vencedores, marcada pelo horror dos campos de concentração e pela comprovação definitiva da capacidade de autodestruição da espécie humana, derrotaram todas as expectativas otimistas de progresso e trouxe sombras para o horizonte da experiência presente do futuro. O futuro como repetição do conhecido deixou de ser um fim em si mesmo, no qual poderia ser antecipado pela razão analítica da projeção da história. A articulação da experiência e expectativa no sentido da história, tendo como contexto o mundo contemporâneo atual, passou a ser uma incógnita. 


A saída seria pensar em um futuro fora do registro histórico cronológico e afastar-se das concepções temporais que, ao longo do século XX, formularam o futuro como coisas possíveis de serem fabricados, criando a ilusão de uma história passível de manipulação pelos seres humanos. O tempo presente quando navegado, apesar do nevoeiro cognitivo, deverá ser tateado na busca de alternativas possíveis e contínua investigação dos princípios que mantenham ativa a imaginação generosa do futuro, associada ao cuidado com tudo o que habita o percurso do tempo e nada melhor que representa-lo na motivação dos versos de Ítaca, do poeta grego Konstantinos Kaváfis.


Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Cíclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Cíclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhastes no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.


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