sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Quando chega a hora de mudar.


Acordamos de manhã e aquele dia nos parece diferente, caminhamos silenciosamente pelos cômodos da casa, olhamos por entre as cortinas o dia que começa. O vento sopra lá fora uma brisa fria e úmida, há um silêncio no ar. Sentimos o passar do tempo como se estivéssemos deslocados, há algo estranho! O perfume da brisa que entra pela janela que acabamos de abrir, traz um cheiro de tristeza e melancolia, nos parece que algo está faltando. Não sabemos dizer ou distinguir! Nos sentimos incomodados, estamos desorientados, o que está acontecendo? Uma sensação de vazio invade a nossa alma como uma névoa, preenchendo toda a extensão do nosso espírito, não nos deixa pensar, nos paralisa nas ações, faz desaparecer o nós como ser. Sobrevivem em nós a lembrança e a dor do passado como um sonho, sentindo o torpor de alguns raios do sol que aquece nossos corpos de sentidos estagnados. É como a embriaguez do álcool que nos faz nada ser, é como o precioso alimento, lançado por um movimento insolente, junto aos restos sem valor. Tentamos olhar, mas não conseguimos ver.


Apenas vislumbramos vultos de pessoas que transitam pela longa rua, com suas faces marcadas pela dor de não conhecer a si mesmo. São apenas números sem sentidos e sentidos sem números, nada existe de fato. O sentido de se ver está perdido, mesmo vendo bem o que se é, mas sem sentido. O ruído renitente e longe que ouvimos soar, são sons estranhos de veículos, em um zig-zag paranoico, que provocam ecos sem proveito algum, mais parecendo a trovoada de um dia escuro e úmido. Ouvimos as primeiras vozes, que se propagam nesta manhã escura e cinzenta, são frases desconexas que de uma garganta não saem. Ao longe ouvimos também o bater das águas nas pedras de um rio já velho e cansado. Não sentimos tédio e nem mágoa, não! É uma vontade de não sei o quê! Alguma coisa se contorce dentro de nós, mas o que?


Nada sentimos, a não ser uma vida autômata, que somente existe aqui em baixo. Tudo está autômato desde o levantar das pernas, os pés dentro dos sapatos e um ruído renitente de passos apressados de uma mente ansiosa, como se fosse uma marcha involuntária e sem sentido. Os olhos cansados de uma noite mal dormida, os dedos, indicador e polegar, roçando persistentemente as narinas ressecadas e congestionadas pela nevoa venenosa que é lançada ao ar pelas indústrias. Há um aperto na mente, no cérebro e na cabeça. Nossa alma está constipada, como um doente que deseja a vida, mas não deseja retirar-se de sua zona de conforto. A vontade é apenas dormir com a possibilidade única de dar uma nova direção à vida, mas qual porta entrar? Neste momento sentimos a vida no estômago, percebemos o cheiro em nossa mente, nuvens cinzentas pintadas de um branco falso, formavam rolos e figuras em nossos olhos.


O céu covarde prove uma atmosfera ameaçadora como uma inaudível trovoada em minha mente, mas tudo não é feito de ar?  Temos tido esperanças pobres, saídas impostas pela vida e por todos os outros. Somos como esta hora e este ar possuído pela névoa, remendos velhos em nossas tormentas falsas. Gritamos no intento de acabarmos com aquela visão e o silêncio. Mas em nosso passado há a dor, tristeza e angústia que quando está descoberto revela o negrume lodoso de demônios que nos cega e somente o cheiro podemos sentir. Tantas inconsequências no agir, tanto sarcasmo de supostas sensações, tantas ilusões que enredam a alma e entristecem o coração. Somos invadidos por pensamentos que provocam dores na alma ao sentir o cheiro das duras lembranças. Somos invadidos e aprisionados pelos sonhos de outros homens e mulheres. Nada neste dia nos satisfaz! E em um esforço último de vencer a angústia que atravessa o nosso coração, nós buscamos uma saída ou uma mudança. Estamos sofrendo por não ter vivido uma realidade, estamos cansados de tudo, até do justo repouso. Nossa alma e coração estão cansados, tristes e saudosos por quem nós nunca fomos e ansiosos por aquilo que desejamos ser.


A fluência da energia da vida está estagnada, produzindo estados psicossomáticos. O tempo se arrasta em sua mesmice, a angústia nos invade a alma. A vontade de acerto é enorme, mas os resultados são pífios. Vemos se revelar, neste momento, alguns sinais de transformações e mudanças. O medo quer nos envolver, mas a fé, a esperança e o amor nos fortalecem e encoraja para a transformação, vencendo o desconhecido e as incertezas. A vida preparou todo o cenário e nos convida ao confronto. Quando tudo está em seu tempo, algumas questões são manifestadas: Como curar esta alma? Como acalmar este coração? Como resgatar a certeza do sentido da vida? São questões que exigem a descida aos porões da vida. Lugar sombrio, habitados por demônios que se alimentam de nossos medos, tristezas, frustações, paixões e onde estão guardados os mais profundos segredos dos seres humanos. É neste ambiente que travaremos a nossa batalha, por que este é o local, que apesar de imundo, cinzento e lamacento, a nossa transformação se iniciará. Recolhemo-nos em nosso silêncio do querer, o desejo arde e machuca a alma, mas a determinação de alcançar o sentido da vida é mais forte. Estamos dispostos a lutar, calçamos a fé, empunhamos a esperança como a única arma que dispomos e cingimos o nosso corpo com uma malha de justiça.


Colocamo-nos a caminho do inferno, a escuridão podemos apalpar, o forte cheiro nossas narinas não suportam, mas mesmo assim impregnam a nossa mente com o odor da podridão. A descida é rápida e quando lá chegamos nos deparamos com a miséria daquele lugar. É chegado o tempo da limpeza e da transformação do ser. Os demônios se manifestam fortalecidos pelo tempo e alimentados pela vergonha, medo e tristeza. A batalha se inicia. A fé nos traz a segurança da verdade, ainda que oculta. A esperança nos sustenta e calmamente buscamos a compreensão  da criação e da sobrevivência de todos aqueles demônios por tantos anos. Em profunda prece, em nosso coração cremos e por ele somos salvos. Sentados em profunda meditação resgatamos, com as malhas da justiça, as lembranças de outrora. Somos justificados pelos alicerces da fé. E ainda que, em um último esforço, brademos em plenos pulmões “et lux in tenebris lucet” e a luz resplandece nas trevas dos porões da vida, todos aqueles demônios são vencidos pela compreensão dos fatos, pelo perdão, pela expiação, pela confrontação, mas acima de tudo pelo amor, e então, eles deixam de existir. Exauridos em nossas forças, com os rostos banhados em lágrimas, mais uma página de  nossa vida foi virada. Nos levantamos e vemos que aquele porão que outrora fora escuro, lamacento e cinzento, está inteiramente iluminado e limpo. Sentimos a energia da vida fluir como um rio que canta pelo caminho. A mente está limpa, a alma purificada como a fina prata. Fomos resgatados pela força do amor! Nada pode resistir a esta força divina que transforma e traz vida. Fomos, vimos e vencemos! Uma nova etapa se inicia, um nascimento aconteceu. Todo o céu parou e em grande expectativa ante a batalha travada. Vencemos, somos mais fortes agora e estaremos prontos… quando chegar um outro momento de mudar...


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